segunda-feira, 25 de abril de 2011

25 Hora a Hora!

Caminhos da Liberdade


Motivado pelas problemáticas actuais em torno da noção de cidadania, pareceu-me importante reflectir sobre a prática, nos últimos 37 anos, de uma das principais conquistas da Revolução dos Cravos: a Liberdade.
A Liberdade não é um conceito abstracto, traduz-se em percursos de vida, em escolhas conscientes e responsáveis, enquadradas em contextos espacio-temporais específicos. O valor que lhe é atribuído e o modo como é exercitada pelos cidadãos no seu quotidiano traduz os níveis e a qualidade da participação democrática.
Logo após a Revolução, a Liberdade foi apregoada, cantada, recitada e pintada nos murais. Adquiriu o seu verdadeiro sentido porque era desejada, sentida e partilhada. Era uma Liberdade vivida na consciência do querer Ser. Era o grito de revolta de “vozes sufocadas” pela opressão, pela censura e pela guerra. Não constituía apenas um ideal, era um projecto colectivo e mobilizador que se concretizava numa intensa participação cívica.
Hoje pensamos pouco sobre valor da Liberdadee, paradoxalmente, ela nunca foi tão observada. Depois de 37 anos a construir democracia, ela está no nosso âmago, faz parte do código genético dos portugueses. É vivida, explorada mas, com alguma frequência, é transgredida porque não é suficientemente pensada e sentida. Lamentavelmente, temos cada vez menos consciência da importância de sermos Livres.
A Liberdade, enquanto valor e praxis, está em crise pelo efeito conjunto e complementar do conformismo e da crescente desresponsabilização relativamente aos problemas colectivos e o efeito manipulador que diariamente os órgãos do poder e os media exercem sobre os indivíduos, refreando o seu sentido crítico e a sua capacidade de escolherem conscientemente.
Num conformismo conveniente, aceitamos como verdadeira a ideia, muitas vezes propagandeada pelos detentores do poder ou pelos construtores da opinião pública de que os cidadãos não têm, só por si, a capacidade para mudarem o rumo das coisas e que devem confiar apenas aos representantes dos partidos políticos a tarefa de governarem, revezando-se no Poder.Esta situação agrava-se quando os indivíduos se prendem a rotinas e a preconceitos ideológicos que asfixiam a sua capacidade de escolha. A fidelização a um partido político faz-semuitas vezes numa lógica clubística, ou então, como numa religião, é encarada como um acto de fé.Nesta perspectiva, se os líderes desse partido, uma vez no governo, cometem os mais graves erros de governação, encontra-se sempre uma justificação que os iliba de culpas. Ora, a verdadeira Liberdade consiste precisamente em decidirmos de modo racional, consciente e autónomo sobre o próprio futuro e o da comunidade local e global, depois de ouvir os outros, mas sem estarmos presos a condicionamentos, a lógicas de grupos ou clientelas.
Os défices no exercício da Liberdade são visíveis na fraca participação política da maioria dos cidadãos. Para estes, a actividade política é encarada com desencanto. Limita-se cada vez mais ao voto e, mesmo aqui, as elevadas taxas de abstenção parecem demonstrar que a escolha dos nossos governantes é, para muitos portugueses, um assunto secundário nas suas vidas. Não é a escolha daqueles que nos governam um dos mais significativos actos de Liberdade?
A Liberdade implica caminhos. Como escreveu Antoine de Saint-Exupéry, “não há liberdade a não ser a de «alguém» que vai para algum sítio. Libertar [um homem] seria mostrar-lhe que tem sede e traçar o caminho para um poço. Só então se lhe ofereceriam possibilidades que teriam significado.”[1]Ora, na década de 70, os homens lutaram pela Liberdade porque sabiam que ela era garantia do futuro. Com ela era possível percorrer os inúmeros caminhos que Abril abriu (tantos quantos os ideais).
Hoje a situação é bem diferente. Portugal é um país que parece ter perdido o rumo. Faltam oportunidades para a realização plena dos indivíduos. Os caminhos são poucos, estreitos, sinuosos e alguns sem saída. As oportunidades de afirmação da individualidade são ínfimas. A autonomia e a criatividade dão lugar à dependência e ao clientelismo. O indivíduo torna-se submisso aos detentores do poder; vendeos seus ideais e sacrifica a herança de Abril por um rumo incerto,imposto pelos outros para os servirem. São as “gerações à rasca” que não encontram os seus caminhos porque perderam o sentido da Liberdade, da Autonomia, mostrando-se incapazes de construírem o seu próprio destino no país que os viu nascer.

Américo Costa, Professor
[1]Antoine de Saint-Exupéry, in 'Piloto de Guerra'

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