Relembramos hoje o 31 de Janeiro de 1891,"O mais
luminoso e viril movimento de emancipação que ainda sacudiu Portugal no último
século" , assim definiu João Chagas. Há 124 anos deu-se a primeira grande
tentativa republicana de derrube da monarquia, tendo por epicentro a cidade do
Porto.
Dezenas de soldados
da cavalaria, infantaria, caçadores e guarda-fiscal da capital nortenha que, a
partir das duas horas dessa madrugada de há 124 anos, e ao som de A Portuguesa
avançaram para o centro da cidade, acompanhados por numerosos populares, viram
frustados, no cimo da Rua de santo António, (dirigiam-se à Praça da Batalha,
com o objectivo de tomar a estação de Correios e Telégrafos), o sonho da
vitória. O tiroteio implacável da guarda municipal, instalada nas escadarias da
igreja de Santo Ildefonso, travou a marcha revolucionária, causando 12 mortos e
40 feridos, entre civis e militares.
Os revoltosos seriam rápida e friamente julgados e
condenados a bordo de navios de guerra, ao largo de Leixões. Para além de
civis, foram julgados 505 militares. Seriam condenados a penas entre 18 meses e
15 anos de prisão mais de duzentas pessoas. Em memória do levantamento, a rua
onde tombaram os mártires seria rebaptizada, duas décadas depois, para Rua de
31 de Janeiro.
Cerca de dois meses antes do 31 de Janeiro, Teófilo Braga
escrevia a Santos Cardoso e, invocando a façanha dos dirigentes portuenses na
Revolução Liberal de 1820, mostrava-se convicto de que a revolução iria
triunfar no Porto. "Se estivermos à espera do levantamento de Lisboa -
dizia o futuro primeiro chefe de um governo republicano - nunca ele virá,
porque esta gente aqui é timorata e cheia de conveniências, tem medo da
polícia, da guarda municipal (...) além disso, os dirigentes são elementos
velhos que tudo empatam. A revolução do Porto é que pode acordar esta
gente...".
Semente e batalha inicial de um longo combate até à vitória
de Outubro de 1910, o movimento cívico e político nortenho, liderado por
destacados republicanos como sampaio Bruno, Basílio Teles e João Chagas,
cresceu rapidamente por força da grave crise económica e financeira e do
profundo descontentamento popular perante as cedências do Governo e do Rei ao
ultimato de 1890, que reclamava todo o território africano entre Angola e
Moçambique.
O ambiente de exaltação revolucionária e patriótica no Porto
foi exemplarmente traduzido pela Liga Patriótica do Norte, fundada a 26 de
janeiro de 1890, logo a seguir ao ultimato. Presidida - a convite do monárquico
Luís de Magalhães - pelo prestigiado poeta e socialista Antero de Quental,
então radicado em Vila do Conde, a LPN reunia monárquicos e republicanos,
irmanados no repúdio ao ultraje inglês e na ambição de recuperação de um país
mergulhado em grave crise política, económica e social.
Portugal - proclama Antero - expia com a amargura deste
momento de humilhação e ansiedade de quarenta anos de egoísmo, de imprevidência
e de relaxamento dos costumes políticos, quarenta anos de paz profunda que uma
sorte raríssima nos concedeu e que só soubemos malbaratar na intriga, na
vaidade, no gozo material, em vez de os aproveitar no trabalho, na reforma das
instituições e no progresso das ideias".
Para o grande poeta –Antero de Quental que após o fracasso
do 31 de Janeiro regressa aos Açores, suicidando-se em Setembro de 1891 - o
maior inimigo não era o inglês- remoque relativo ao Ultimato de 1890: "
Somos nós mesmo, e só um falso patriotismo, falso e criminosamente vaidoso,
pode afirmar o contrário. Declamar contra a Inglaterra é fácil: emendar os
defeitos da nossa vida nacional será mais difícil (...) Portugal, ou se
reformará, política, intelectual e moralmente, ou deixará de existir. Mas a
reforma, para ser efectiva e fecunda, deve partir de dentro, do mais fundo do
nosso ser colectivo: deve ser antes de tudo uma reforma dos sentimentos e dos
costumes. enganam-se os que julgam garantir o futuro e assegurar a
nacionalidade com meios exteriores e materiais, com armamentos e alarde de
força militar ".
Mais directo, Guerra Junqueiro, outro grande poeta e
militante da causa revolucionária, lança o desafio: "A revolução impõe-se.
Hoje, quem diz pátria, diz república. Não uma república doutrinária, estupidamente
jacobina, mas uma república larga, franca, nacional, onde caibam todos."
Dezanove anos depois, a república fez-se.