sábado, 26 de abril de 2014

A opinião de... Pedro Bacelar de Vasconcelos

" 1.ª Imposição legal da realização de eleições primárias abertas para a escolha dos candidatos dos partidos a todos os atos eleitorais. 
2.ª Definição de novo mapa de círculos eleitorais inscritos no âmbito territorial das atuais CCDR, em substituição dos distritos. 
3.ª Criação de círculos uninominais, sem prejuízo da representação proporcional.
4.ªº Imposição da exclusividade no desempenho das funções de deputado e alargamento do regime de incompatibilidades - quanto ao seu âmbito funcional e a sua duração - por forma a prevenir eficazmente a promiscuidade intolerável instalada entre o poder político democrático e o poder económico e financeiro.
5.ª Reforço do governo local com o alargamento dos poderes das assembleias municipais para eleger, demitir e fiscalizar o executivo camarário. A representação das freguesias é remetida para um órgão próprio.
6.ª Criação das regiões administrativas e reforma da administração territorial segundo os princípios da descentralização e da subsidiariedade.
7.ª Supressão da eleição por sufrágio universal do Presidente da República, que passa a ser eleito pelo Parlamento, e extinção das atuais competências para demitir o Governo e dissolver a Assembleia da República.

A concretização de algumas destas medidas requer a prévia revisão da Constituição da República. Favorecido pelas tecnologias da informação, conveniências burocráticas e arcaicos preconceitos antidemocráticos, o centralismo político e administrativo atingiu proporções sufocantes. Enquanto a reforma da governação local não requer mais do que ajustamentos cirúrgicos no capítulo respetivo (art.° 251º), a criação das regiões não será viável sem uma drástica limpeza de todas as armadilhas maliciosamente inseridas no texto da Constituição (art.°s 255º e 257º). Referimo-nos ao princípio da simultaneidade, à imposição do referendo "de alcance nacional" e à qualificação da maioria requerida para a legitimação por "consulta popular" da sua "instituição concreta". É patológica a exigência do "voto favorável expresso pela maioria dos cidadãos eleitores que se tenham pronunciado em consulta direta", num país que aceitou rever a Lei Fundamental sem necessidade de consulta referendária, para admitir a limitação de poderes soberanos decorrente da adesão à União Europeia ou, com pretexto tão fútil como a participação no Tribunal Penal Internacional, admitiu restrições aos grandes princípios humanistas que excluem, em absoluto, a pena de morte e a prisão perpétua.
É também indispensável a revisão constitucional das normas relativas à eleição e competências do Presidente da República e do seu órgão de consulta, o Conselho de Estado. O "desvio" presidencialista do regime parlamentar adotado pela Constituição vigente tinha como principal justificação atribuir ao Chefe de Estado um "poder moderador" capaz de responder a situações de grave crise institucional e ultrapassar eventuais bloqueios gerados pelo sectarismo partidário. Além disso, pretendia exorcizar os fantasmas associados ao desenlace trágico da Primeira República em 1926 mas, em 1976/82, assegurou com eficácia a transição histórica da tutela militar da fase revolucionária da instauração do regime para a normalidade democrática. Nenhuma destas justificações é válida nos dias de hoje. Bem pelo contrário, afunilou-se entretanto a representação democrática capturada pelos aparelhos partidários, alargou-se o fosso entre o Estado e os cidadãos e, à sombra paternalista da tutela presidencial, cresceu a irresponsabilidade e a inimputabilidade dos eleitos, como se viu na crise política do verão passado e se já entrevia nas crises antecedentes: no cansaço de Guterres, no "exílio" dourado de Barroso, no calvário de Santana Lopes e na "coligação" negativa que derrubou o governo de Sócrates em 2011. A crise de legitimidade e a degradação da representação democrática reclamam a terapia prescrita nas primeiras seis medidas propostas. As últimas eleições presidências com um significado político substancial foram as que atribuíram o 1.°º mandato a Mário Soares, em 1986. De facto, a utilidade do semipresidencialismo está esgotada: desde os princípios do milénio, só contribuiu para agravar os vícios do regime."

Pedro Bacelar de Vasconcelos, in: Opinião, JN, 25 de Abril de 2014

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