" Para os pais que
não são professores, isto pode ser difícil de entender
É real e de conhecimento pessoal. Tem 53 anos, 26 de profissão a que se
entregou com amor, hoje cansado. Estava efectivo a 160 quilómetros diários (80
para lá e 80 para cá) da casa onde vive com duas filhas. Concorreu para mudança
de quadro de escola, para se aproximar da residência. Conseguiu colocação numa
escola 40 quilómetros mais perto (20 para lá e 20 para cá). Dois dias depois, o
absurdo caiu-lhe em cima: a escola onde o colocaram não tem horário para ele.
Alma angustiada, empurraram-no para a dança macabra da “mobilidade por ausência
de componente lectiva”, que pode terminar em “requalificação” e despedimento.
Está apresentado. É um dos muitos, com vidas adiadas. Algumas, para sempre!
É professor.
Daqui a dias vai falar-se, muito, do costume: das crianças que voltam às
aulas, do que os pais gastaram para lá as pôr e das escolas que ainda não
abriram. Não se falará, certamente, da situação profissional dos professores.
São muitos os estudos que têm procurado estabelecer o impacto das condições
de trabalho na saúde física e mental dos profissionais. Esse impacto, em
organizações humanamente evoluídas, é também assumido como um dos indicadores
determinantes do grau de eficácia das organizações. Claro está que não estou a
falar do nosso ministério da Educação, para quem pouco importa que cresçam
exponencialmente os níveis de ansiedade dos professores e diminuam os que medem
a motivação profissional. É outra a eficácia que atrai o interesse do
ministério.
O stress ocupacional crónico (desequilíbrio entre as exigências e a capacidade
de lhes responder) está genericamente presente na classe dos professores e pode
originar o chamado burnout, entendido como um estádio continuado de
fadiga física e psicológica. Sendo um problema das pessoas, é, antes, um
problema do clima social criado e das organizações para as quais as pessoas
trabalham.
Um pouco por toda a parte, é a insuspeita OCDE que o diz, os professores
apresentam índices de mal-estar superiores, quando comparados com outros
profissionais. A Organização Internacional do Trabalho classificou a profissão
como de risco físico e mental e os que lidam de perto com os professores
portugueses identificam níveis consideráveis de exaustão emocional, face ao
aumento de situações problemáticas e desagradáveis, designadamente impotência
para reagir e resolver perturbações de comportamento por parte dos alunos, e
conflitos importantes de compatibilização da vida profissional com a vida
pessoal e familiar.
Há dias, noticiava-se num telejornal que os médicos do hospital de Faro
estavam exaustos. Motivo? O aumento sazonal da população estava a obrigá-los a
48 horas de “banco” por semana. É fácil avaliar o nível de responsabilidade que
se abate sobre um médico, particularmente em serviço de urgências. Não é
difícil admitir que os médicos têm limites humanos e que tal stress imposto
diminui, forçosamente, a capacidade para responderem ao que lhes é pedido. Se,
genericamente, não terei dificuldade em ganhar apoiantes para o que acabo de
afirmar, o mesmo não direi quando a reflexão analisa os níveis de
responsabilidade, stress e carga de trabalho a que os professores estão
sujeitos.
As referências habituais à carga de trabalho dos professores raramente
procuram perceber a influência que ela pode ter na qualidade das aprendizagens
dos alunos e no contributo que dá (ou não dá) para o seu processo de
desenvolvimento humano. Outrossim, quase sempre se centram em comparações
injustas e descabidas, a maior parte das vezes movidas por essa chaga que é a
inveja social. E por aqui chego ao que deu título à crónica de hoje. Estava no
blog de Diana Ravitch, que muitos professores conhecerão. Não sei eu, nem sabe
ela, quem foi o autor. Mas é uma bela proposta. Pode ser que muitos pais
portugueses a aceitem, quando em breve voltarem a levar os filhos à escola.
Reza assim, em tradução livre:
“Cinco dias por semana, ensinamos os vossos filhos./Significa isso que os
educamos./ Que brincamos com eles./ Que os disciplinamos./Que nos divertimos
com eles./ Que os consolamos./ Que os elogiamos./ Que os questionamos./Que
batemos com a cabeça na parede por causa deles./ Que rimos com eles./ Que nos
preocupamos com eles./ Que tomamos conta deles./ Que sabemos coisas deles./ Que
investimos neles./ Que os protegemos./ Que os amamos./Todos nos deixaríamos
matar pelos vossos filhos./Não está escrito em lado nenhum./ Não faz parte do
manual do professor./ Não vem citado nos nossos contratos./ Mas todos o
faríamos.
Por isso, por favor, hoje à noite, dêem aos vossos filhos, sim, um abraço
muito, muito apertado.
Mas na segunda-feira, se virem os professores dos vossos filhos,
abracem-nos também a eles.”
In "Público" de
26/8/15
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